Caso Orgel: O jovem que foi encontrado morto no CTG Osório Porto
Foi em um sábado, dia 7 de agosto de 1971, uma noite chuvosa e fria, que Orgel Fischer de Almeida, na época com 18 anos recém-completados, saiu da sua casa em Passo Fundo para nunca mais voltar.
Orgel, que era considerado tradicionalista, frequentador de bailes de Centros de Tradições Gaúchas — CTGs — e fã do cantor José Mendes, saiu de casa naquela noite para ver o show do cantor que se apresentaria no CTG Osório Porto, localizado a poucos metros da sua casa.
O jovem Orgel foi visto pela última vez naquela madrugada, por volta das cinco horas, pelos seus amigos. No domingo seguinte, 8 de agosto, era comemorado o Dia dos Pais, e apesar de a família ser relativamente grande, o almoço estava incompleto devido à ausência de Orgel.
“Durante o almoço normalmente o clima ficava mais festivo, mas não era o que estava acontecendo conosco. Minha mãe estava inquieta pelo fato de meu irmão Orgel não ter vindo para casa. Ele costumava fazer isso nos finais de semana, mas ao anoitecer voltava, mas minha mãe estava muito diferente e dava até para perceber isso. Cada carro que parava em frente de nossa casa, ela corria olhar pelas janelas, na esperança de ser o seu filho chegando”, descreveu Everton Fischer, irmão mais novo de Orgel, na época com 10 anos, e autor do livro ‘O Caso Orgel’.
Por volta das 17 horas da tarde seguinte, chegou a notícia que abalaria aquela família pelo resto dos seus dias: Orgel foi encontrado morto no porão do CTG Osório Porto.
Na época, Orgel trabalhava em um escritório de contabilidade localizado no 8° andar do Edifício Planalto na rua Independência, esquina com a rua Coronel Chicuta. Segundo informações, ele não tinha conflitos, era um jovem estudioso e trabalhador, portanto, o que poderia ter dado fim à vida de Orgel?
Momentos antes do baile
O irmão de Orgel detalha informações sobre a triste noite, relembrando que, antes de sair de casa, Orgel havia pedido à mãe, Francisca Fischer de Almeida (em memória) que lhe entregasse a arma que ele havia comprado havia poucos dias.
“Por volta das 22 horas ele conversava na sala de casa com a nossa mãe e insistia para entregar-lhe uma arma de fogo que ele havia comprado de um policial militar e que iria revendê-la por um preço maior, num baile em que mais tarde ia ir com os seus amigos que já o esperavam num carro, em frente de casa”, descreve em um trecho do livro.
Everton relata que a mãe resistiu ao pedido, mas tamanha foi a insistência do filho, que afirmava se tratar de um bom negócio, pois venderia por um valor maior do que comprou, que dona Francisca cedeu.
“Junto, ele solicitou também uma bala, um único projétil que mais tarde nos causaria um desmoronamento em nossa família. Essa bala, segundo meu irmão, seria para experimentar o revólver e mostrar que estava em boas condições de uso, para o possível comprador. Minha mãe entendendo que aquelas declarações eram a mais absoluta verdade e com seu tenro coração aflito, atendeu o seu pedido”, conta Everton.
DESCOBERTA TRÁGICA
Quando Orgel foi encontrado, já sem vida, ele portava o revólver que havia levado de casa, indicando, portanto, que a situação se tratava de um suicídio.
“Eu ouvia o som que se produzia da boca das pessoas, uns falando baixo, outros num tom mais alto que, meu irmão fora encontrado morto, no porão do CTG Osório Porto, vítima de sua própria arma que ele havia levado para vender”, conta.
A confirmação da morte foi feita por um familiar. “O meu outro irmão adolescente veio da rua já tarde, confirmando para a nossa mãe aquela triste informação, pois ele foi quem reconheceu o corpo, junto a polícia, ainda no CTG, quando foi avisado por amigos seus, na partida de futebol onde ele estava jogando, que um cadáver havia sido encontrado e que provavelmente era o seu irmão”.
A notícia, é claro, chocou toda a comunidade passo-fundense, tradicionalista e claro, a família de Orgel.
“Voltei o meu olhar para minha mãe que continuava chorando. Não conseguia compreender muito bem, só sabia que meu irmão havia morrido e isso significava não tê-lo mais conosco, não vê-lo nunca mais e nem mais ouvir a sua voz, para sempre. Durante a madrugada a temperatura baixou, chovia e trovejava muito, aumentando o horror daquela noite interminável”, relembra Everton.
PERDA IRREPARÁVEL
Um dos principais questionamentos na ocasião foi o motivo que levou o jovem Orgel a tomar a decisão fatal, que para a família, é desconhecido até hoje.
Dona Francisca havia descrito o dia fatídico em seu diário pessoal. “Depois me deu tchau e levando a arma, foi ao baile no CTG Osório Porto, na noite que cantava José Mendes, acompanhado por um colega de aula seu do terceiro ano de Contabilidade do Colégio Conceição e também colega de quarto de uma pensão que o Orgel ficava no centro da cidade. (…) Orgel dançou, bebeu e comeu até às cinco horas da manhã de 08 de agosto de 1971. Segundo o seu colega de aula, procurou-o e não o encontrou, entendendo então que o Orgel tinha ido pousar na casa dos pais, talvez no mesmo momento em que o Orgel havia descido ao porão daquele ambiente. Ali não sei o que foi que aconteceu, só as 17:30 da tarde de domingo que encontraram meu filho Orgel morto com um tiro ao lado direito da cabeça”, descreveu a mãe de Orgel.
A família, como afirma Everton, nunca mais se recuperou desde o dia da morte de Orgel. “Foi uma cena da fragilidade humana e que lesou meu cérebro para sempre: presenciei minha pobre mãe chorando e clamando pelo filho inerte, parecendo descontrolada, abraçada em seu caixão. Minha mãe sofria exageradamente e isso era demais para mim. E foi aí também que, observando a dor de meu pai, é que notei que, aquele velho homem que me deu a vida e me fez o seu filho, não era um super-homem como eu imaginava. Não é nem preciso dizer, o quanto pai e mãe sofreram com a morte do filho”, expressa.
O velório e enterro de Orgel foi acompanhado por centenas de pessoas, afinal, o jovem era muito querido por muitas pessoas, talvez mais do que pudesse imaginar. Ele foi enterrado no cemitério São João da Bela Vista, um dos maiores de Passo Fundo, localizado na ERS 324, saída para Marau.
MARCO PARA O CTG OSÓRIO PORTO
Envolvida há 20 anos com o CTG Osório Porto, a atual patroa Clair Gai Freitas tinha conhecimento do episódio, mas sem maiores detalhes. No entanto, depois de alguns acontecimentos inusitados, Clair foi se aproximando da história verdadeira.
Em entrevista exclusiva ao Memórias em Pauta, Clair conta algumas histórias ocorridas recentemente no CTG envolvendo o jovem Orgel. O primeiro acontecimento foi no dia 17 de agosto de 2020, poucos dias após a data do Dia dos Pais.
“Eu estava no CTG e tentei abrir uma porta lateral e não consegui, ela estava emperrada. Sai, dei a volta e vi que tinha um vaso grande de rosas vermelhas trancando a porta. Juntei o vaso e encontrei a foto de um rapaz, na hora não sabia de quem se tratava”, conta.
Ao relatar o episódio para Andresa Ficagna, que é sua nora e professora de dança do CTG desde 2005, ela descobriu que se tratava de Orgel, o jovem que se suicidou no local.
“Até então nós sabíamos da história que uma pessoa havia tirado a própria vida no CTG, mas perguntávamos para os mais antigos do CTG e ninguém sabia contar para gente”, contou Andresa ao Memórias em Pauta.
Contudo, antes do episódio das flores, Andresa começou a pesquisar o caso e acabou descobrindo o livro ‘O Caso Orgel’ escrito por Everton Fischer, o irmão do jovem. Depois de saber da história completa e de todos os detalhes, outros fatos passaram a acontecer no CTG que chamou a atenção de todos.
No Natal de 2020, Clair encontrou um cartão com a foto de Orgel no CTG e, há poucos dias, uma rosa vermelha também foi deixada em frente ao local com um bilhete.
“Quando ela (Clair) chegou em casa e contou a história eu senti e sabia que era sobre ele. E começaram a surgir vários outros fatos, um dia encontramos uma rosa com um bilhete na porta escrito ’em homenagem ao Orgel pela graça alcançada”, relatou.
HOMENAGEM
Os acontecimentos, que não são considerados coincidência pelos integrantes do CTG Osório Porto, foram decisivos para escolher a história como temática de apresentação do grupo de invernada em homenagem ao Orgel.
“Desde que eu soube da história do Orgel, que ele era muito fã do José Mendes e que ele se suicidou depois de um baile dele, eu dei a ideia de fazermos uma temática sobre o José Mendes homenageando o Orgel”, contou Andresa Ficagna. “O mais interessante disso tudo foi que fechou a história do Orgel, que infelizmente se suicidou, e foi uma história que foi abafada pela sociedade”.
“Todos esses fatos nos deram a certeza de que nós temos que fazer essa homenagem para o Orgel. Depois desses acontecimentos, nós passamos tudo isso para os integrantes do grupo e eles apoiaram a ideia, acharam de grande valia. Só que como veio a pandemia, nós não conseguimos dar seguimento ao projeto”, diz. Embora o projeto não pôde ser desenvolvido por conta da pandemia, ele segue sendo planejado pela equipe do CTG Osório Porto para ser apresentado quando possível.