Clodoaldo Teixeira: um dos episódios policiais mais polêmicos da história de Passo Fundo
Era uma segunda-feira do dia 5 de fevereiro de 1979 quando o jovem Clodoaldo Teixeira, de 17 anos, saiu da oficina mecânica onde trabalhava com um tio e cruzou o centro de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, cujo local costumava reunir dezenas de jovens em volta dos canteiros próximos à Catedral Nossa Senhora Aparecida, no coração da cidade.
Ao notar uma barreira policial, o jovem, que não possuía carteira de habilitação, desviou e percorreu um trajeto que ele faria pela última vez: em direção a sua casa, localizada na rua Antônio Araújo, 170, no bairro Annes.
O Cabo José Valmor da Silva, e os PMs, Clóvis Amaral Raiter e Jacinto Xavier Chaves deram início a perseguição que foi cessada com um tiro nas costas de Clodoaldo.
O disparo fatal partiu do cabo Valmor, a 30 metros de distância da casa de Clodoaldo, onde os seus pais Nelson e Anésia Teixeira o esperavam na frente de casa, como faziam costumeiramente. O pai de Clodoaldo, Nelson (in memoriam), acompanhou o filho até o Hospital da Cidade, levado pela viatura policial, sem perceber que ele já estava sem vida.
Posterior, surgiram versões que chegaram a ser noticiadas pelo jornal passo-fundense ‘O Nacional’ que supuseram que Clodoaldo e um amigo estariam dirigindo suas motocicletas em alta velocidade e que quase atropelaram uma mulher e uma criança. Já a segunda versão, seria a de que Clodoaldo teria passado acidentalmente sobre o pé de um brigadiano e o fato, somado ao de não possuir habilitação, fez com que ele empreendesse fuga. Nenhuma das versões foi comprovada oficialmente.
Contudo, a frieza com que o jovem foi morto, quase em frente a sua casa, fez com que a população de Passo Fundo e região se indignasse e desse início àquele que pode ser considerado um dos maiores protestos já ocorridos na cidade: a Revolta dos Motoqueiros.
Revolta dos Motoqueiros
Mesmo sem redes sociais na época, a notícia sobre a morte de Clodoaldo Teixeira teve tamanha repercussão que tomou milhares de jovens de ódio, fazendo com que várias pessoas se reunissem para protestar na fatídica noite do dia cinco de fevereiro de 1979.
De acordo com o jornalista Ivaldino Tasca, que acompanhou de perto a movimentação enquanto trabalhava no jornal ‘O Nacional’, os protestos iniciaram em frente à Catedral Nossa Senhora Aparecida, cujo perímetro estava fechado ao público pela brigada militar.
Os populares, furiosos, se armaram com pedras, paus, armas e estavam decididos a invadir o quartel do Comando de Policiamento de Área-3 (CPA-3) localizado no prédio que por anos foi sede do Instituto de Idiomas da UPF, na Avenida Brasil.
Segundo o jornalista Leandro Malósi Dóro, a movimentação se estendeu durante toda à noite e boa parte da madrugada no centro da cidade. Os manifestantes reuniram-se em frente ao quartel da Brigada Militar no bairro São Cristóvão e em frente à Delegacia de Polícia que conduzia a investigação.
“No quartel, o confronto com os brigadianos chegou a tal ponto que os policiais militares foram obrigados a criar barreiras armadas em frente ao prédio”, afirmou Dóro.
As manifestações só foram encerradas após a intervenção de soldados do exército do 20º/1º Regimento de Cavalaria Motorizado. Porém, outros dois jovens já haviam sido vitimizados no confronto. Os tiros disparados durante o confronto acabaram atingindo dois jovens que estavam em meio a multidão: Adão Faustino, um operário de 19 anos, que faleceu no dia seguinte, e Joceli Macedo, de 17 anos, filho de um brigadiano da reserva, que ficou internado alguns dias, mas não resistiu.
Enterro de Clodoaldo Teixeira
A comoção em prol do jovem que teve a sua vida ceifada tão precocemente se estendeu ao seu enterro. No dia seguinte à sua morte, 6 de fevereiro, cerca de dez mil pessoas participaram do cortejo fúnebre de Clodoaldo, ocorrido no cemitério do bairro Petrópolis. De acordo com o Arquivo Histórico Regional, o cabo que efetuou o disparo contra Clodoaldo foi enquadrado como autor do crime, sendo indiciado por homicídio qualificado. Já os dois soldados presentes na ocorrência foram apresentados como coautores do crime.
Depoimentos
Atualmente aposentada, Marilene Machado, que na época tinha 19 anos e estava grávida de sete meses, lembra nitidamente do episódio assustador.
“Eu estava na casa da minha irmã que morava na rua Coronel Chicuta, a poucos metros da praça da cuia, onde iniciou o confronto. Lembro que começou aquele confronto com pedrada, envolvendo polícia, motoqueiros, pessoas apé, uma guerra”, conta.
“Final da tarde nós sempre nos reuníamos no centro, era aquele monte de moto. Nós conhecíamos ele, era da nossa turma. Lembro que atiraram nele por engano e daí todo mundo se revoltou. Foi muito triste. Era um guri trabalhador, inocente, e eles mataram”, relembra.
Já a mãe de Clodoaldo, disse em entrevista ao portal Diário da Manhã que a família teve que ir embora de Passo Fundo para poder suportar a perda do filho.
“É duro falar até hoje, não é fácil. Destruiu a vida da gente, o Nelson perdeu a cabeça e ele só pensava em vingança, em matar. Eu pensava que o soldado também tinha filho, não adiantava ficar se vingando, virar uma guerra de família. No fundo, tenho até pena do que ele fez. Ele destruiu a minha família e a dele também”, declarou Anésia.