Maria Elizabeth: A jovem passo-fundense que previu a própria morte

Ana Caroline Tavares Haubert
8 min readApr 6, 2021
Túmulo de Maria Elizabeth de Oliveira. | Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

O acidente fatal, ocorrido no dia 28 de novembro de 1965, poderia ter sido esquecido com o passar das décadas, mas não se fez especialmente pelo fato que o antecedeu: a previsão dele. Maria Elizabeth de Oliveira, nascida dia 6 de fevereiro de 1951, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, se tornou figura emblemática entre religiosos por detalhar repetidas vezes a amigos e familiares como seria a sua morte.

Reprodução site mariaelizabeth.pro

Cerca de 15 dias antes da sua morte, segundo Fidélis Dalcin Barbosa, autor da biografia de Elizabeth ‘Uma estrela no céu’, lançada em 1969, a jovem quase foi atropelada por um carro, mas foi puxada por uma colega que disse ter salvado a sua vida.

A resposta de Elizabeth para a amiga foi:

“Então você não sabe que eu vou morrer debaixo de um carro?” Repreendida pela amiga, a jovem voltou a confirmar o pressentimento. “É sim. Você vai ver. Eu vou morrer debaixo das rodas de um carro”.

Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

De acordo com as descrições citadas na dissertação “Maria Elizabeth de Oliveira: a construção do imaginário, da devoção e da santidade” de Marcia Fabiani, um desses relatos aconteceu durante o velório do colega de classe, Arno Koop, exatamente uma semana antes do fatídico acidente.

No dia 20 de novembro, Elizabeth foi proibida pelos pais de participar de um acampamento realizado pelo Colégio Estadual de Passo Fundo, hoje Protásio Alves, onde ela estudava. A data foi marcada pela morte do colega Arno Koop, que acabou morrendo afogado na barragem do Capingui.

Reprodução site mariaelizabeth.pro

“Domingo que vem, sou eu que vou”, disse Elizabeth aos colegas durante o velório, segundo descreve o autor Fidélis Dalcin Barbosa. Como ela costumava repetir isso em vários momentos, os colegas já não davam importância e acreditavam se tratar apenas de uma brincadeira.

Já para a mãe, a fala seria ainda mais explícita.

“Mãe, eu gostaria tanto de morrer. Este mundo é tão ingrato, tão cheio de maldade, de ódio. Eu gostaria de morrer, de ir para junto de Deus, no céu”, disse Elisabeth como mostram as páginas 33 e 34 do livro ‘Uma estrela no céu’.

Muitos são os relatos de despedida por parte de Maria Elizabeth, inclusive com uma professora chamada Eny Sampaio, que conta ter sentido certa insistência da aluna para tirar uma foto durante a festinha do encerramento das atividades escolares, no dia 26 de novembro. Dois dias antes da morte de Elizabeth.

Elizabeth com a professora Eny Sampaio, que alega ter tirado a foto a pedido da jovem que afirmava se tratar de uma despedida. | Reprodução

Nessa época, Maria Elizabeth morava com os pais, Leda Morandi de Oliveira e Alcides de Oliveira e o irmão mais novo, Roberto Morandi de Oliveira, nascido em 1961, em uma residência localizada na Avenida Presidente Vargas, onde hoje funciona uma loja de centro automotivo chamada Simcal.

Escolhendo o próprio caixão

O relato mais enfático, e que mais tarde se tornaria referência entre as suas previsões, foi a escolha do seu caixão. No dia 24 de novembro, quando passava em frente à Funerária Cogo, localizada na Avenida Brasil, na companhia de uma amiga chamada Marilda, Elizabeth apontou e disse que seria enterrada no caixão ‘amarelinho’ que estava exposto na vitrine.

Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

Marilda estranhou a fala da amiga, mas esqueceu logo depois. Mas foi no dia do velório de Maria Elizabeth, que Marilda reconheceu o caixão. O modelo escolhido pelo pai foi exatamente o mesmo que ela havia dito que seria enterrada, embora o pai desconhecesse a previsão da filha e a conversa entre as amigas.

O trágico acidente

Era domingo do dia 28 de novembro de 1965, quando por volta das 15h30, Maria Elizabeth caminhava com alguns amigos pela calçada da Avenida Presidente Vargas esquina com a rua Padre Valentin e teve o seu caminho cruzado, literalmente, por Gentil Lima.

O homem, que era motorista de uma combi que prestava serviço para, a agora inexistente, empresa Transporte Vera Cruz, estava embriagado e, em alta velocidade, invadiu a calçada e atingiu o grupo de amigos. De acordo com Fidélis Dalcin Barbosa, estavam com Maria Elizabeth no momento do acidente: Maria Inês Busato, Nair Dallagnese, Jandira Zanotto e Osmar Felin.

Notícia do acidente retratado no jornal no Diário da Manhã. | Acervo Diário da Manhã

Apesar de uma das jovens ter ficado ferida, apenas Maria Elizabeth veio a óbito, pouco tempo após a sua chegada ao Hospital São Vicente de Paulo. Externamente, Elizabeth machucou apenas um dedo do pé, mas a causa da morte foi uma hemorragia interna.

Além dos relatos da vítima, a mãe da jovem, dona Leda, diz ter sonhado com uma voz lhe chamando repetidas vezes na noite anterior ao acidente. Já o pai de Elizabeth, seu Alcides, recorda ter sentido uma angústia incessante, também iniciada no sábado (27), que o deixou enfraquecido e sem apetite, situação que se estendeu ao longo de todo o dia seguinte.

Comoção popular

Rosas deixadas pela devota Nedi de Moraes Gomes, nessa segunda-feira (5). | Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

O trágico acidente, somado aos relatos sobre as previsões de Elizabeth, geraram curiosidade e atenção das pessoas de diferentes partes do Brasil. Mesmo sem consultar a família, pessoas de várias cidades e estados passaram a visitar o túmulo da jovem, localizado no Cemitério Municipal Vera Cruz em Passo Fundo, Rio Grande do Sul.

Jazigo de Maria Elizabeth, localizado no Cemitério Municipal Vera Cruz, em Passo Fundo, RS. | Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

As rosas vermelhas, que em vida eram as preferidas de Maria Elizabeth, se tornaram uma das principais simbologias das pessoas relacionadas à fé pela jovem, que passou a ser considerada santa por milhares de religiosos. Ao longo de todo o ano, especialmente na data dos finados, o túmulo de Maria Elizabeth recebe milhares de visitantes de diferentes lugares. A maioria dos visitantes aparecem, como relatam, para pagar promessas e levar rosas vermelhas em agradecimento a alguma prece alcançada.

Desfecho familiar

A mãe, dona Leda, viveu com profundo pesar após a morte da filha primogênita e segundo relato do jornalista e radialista Alexandre Acosta, responsável pelo site dedicado à Maria Elizabeth e autor de três obras sobre a sua vida, a mãe viveu com depressão até a sua morte, 28 anos após o trágico acidente.

Jazigo de Leda Morandi de Olveira, mãe de Maria Elizabeth. | Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

Já o pai de Maria Elizabeth, o Sr. Alcides, que na época tinha 46 anos, praticamente parou de comer por, pelo menos, 30 dias após a morte da filha. Apesar do sofrimento, o pai buscou se reerguer para ficar forte para o filho Roberto, pequeno na época, e para a caçula Margarete Morandi de Oliveira, nascida em 1967. Sr. Alcides viveu até os 77 anos de idade.

Jazigo de Alcides de Oliveira, pai de Maria Elizabeth. Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

Depoimento de graças alcançadas

Devota de Maria Elizabeth, Nedi de Moraes Gomes, de 86 anos, afirma visitar o túmulo quase todas as semanas. Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

Era por volta das 12h30 dessa segunda-feira (5), quando eu, Ana Caroline Haubert, fotografava o túmulo de Maria Elizabeth e fui surpreendida com a chegada de dona Nedi de Moraes Gomes, de 86 anos, de Passo Fundo, que trazia uma rosa vermelha para agradecer à Maria Elizabeth as graças já alcançadas. Durante a conversa, dona Nedi relembrou um dos muitos milagres, conforme afirma, que já foram atendidos pela santinha passo-fundense.

Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

“Meu filho sofreu um grave acidente de carro e teve a barriga toda aberta durante o acidente, saiu tudo as ‘tripas’. (Os médicos) tiveram que fazer uma lavagem por dentro, e eu vim aqui (no túmulo da Elizabeth) pedir pela vida do meu filho. No dia seguinte me chamaram para informar que meu filho estava bem, já estava até andando. Tu acredita em uma coisa dessas? Foi o maior milagre que aconteceu até hoje!”, afirma enfaticamente.

Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

“Quando você precisar de alguma coisa, venha aqui e peça. Pede, mas pede de coração, que tu consegue. Não tem o que tu peça que tu não consiga”, completa dona Nedi.

Foto: Ana Caroline Haubert | Memórias em Pauta

Vencendo o medo

Arquivo Pessoal

Bárbara Alvarez Rossini, de 25 anos, que vive em Xanxerê, Santa Catarina, revela que a sua fé em Maria Elizabeth começou quando tinha 15 anos.

“Quando conheci a história da Maria Elizabeth eu estava enfrentando a depressão e a síndrome do pânico. Eu não fazia nada sozinha, tinha medo de tudo. Depois que li o livro da Maria Elizabeth eu comecei a olhar ela como amiga, porque ela tinha mais ou menos minha idade, me imaginava conversando com ela”, relembra.

Foi através da sua fé na santa passo-fundense que Bárbara afirma ter conseguido superar grandes medos e desafios, que antes pareciam maiores que ela.

“Comecei a orar muito para ela, a confiar, fazia a novena várias vezes ao dia, por meses. Eu fazia faculdade longe da cidade dos meus pais e morava sozinha, e em uma noite antes de dormir abri a bíblia, coloquei ela na cabeceira da minha cama e coloquei em cima cinco pétalas de rosas vermelhas pedindo a ela (Maria Elizabeth) que me desse uma luz para uma situação. No meio da noite eu sonhei a primeira vez com ela, era um campo lindo, cheio de rosas e ela me dando a mão e dizendo que ia ficar tudo bem”, descreve.

“Naquele dia eu entendi, que ela estava do meu lado e me guiando. Depois, senti cheiro de rosas por vários dias, em lugares inusitados, onde não havia fragrância alguma, e então só tive certeza que era ela o tempo todo. Hoje sou muito, muito grata a ela por tudo, não tem palavras que caibam em mim. E hoje ainda em meio a situações difíceis saindo cheiro de rosas e sei que é ela do meu lado segurando a minha mão como uma velha amiga”, completa Bárbara.

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Ana Caroline Tavares Haubert

Gaúcha e acadêmica de jornalismo. O resto é intenso demais para reduzir em descrições!